segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Corais da esperança

Kim Feldmann apresenta os tesouros esquecidos de Moçambique, no leste africano.
 






Praia do Tofinho possui direitas vazias e perfeitas. Foto: Kim Feldmann.


 

Se a natureza está em constante equilíbrio, pode-se dizer que Moçambique justifica parte de sua instabilidade social com um dos ecossistemas de coral mais diversos do mundo. Esta república no sudeste da África vem passando por intensas mudanças desde sua independência de Portugal em 1975 e logo com a Guerra Civil de Moçambique, que começou em 1977 e durou 16  árduos anos. Tais eventos reverberaram em forma de muitos problemas socioeconômicos, como o alto nível de analfabetismo, a alta porcentagem da população vivendo abaixo da linha de pobreza, os índices alarmantes de HIV/AIDS, o saneamento precário e a corrupção.

O êxodo de grandes populações das regiões rurais para áreas costeiras também foi um resultado dos conflitos, já que muitos moçambicanos fugiram das brigas no interior do país e se mudaram para a costa; transição que estimulou também uma pressão ecológica, previamente inexistente no litoral. Com isso, muito mais atenção é voltada a essa região do OIO (Oceano Índico do Oeste), e as áreas de Moçambique que baseiam suas comunidades e economias no desenvolvimento sustentável dos ricos recursos naturais são as poucas a se manterem acima do nível de pobreza.


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Região litorânea de Moçambique conta com uma grande variedade de recursos naturais. Foto: Kim Feldmann.


 

Em 2009, tive a oportunidade de conhecer esse tesouro do leste africano, onde o calor das pessoas, somado ao calor do mar, me fizeram retornar um ano depois. Em minha primeira visita, passei um mês no vilarejo de Tofo (sete horas de carro ao norte da capital Maputo), surfando as direitas vazias e perfeitas da praia de Tofinho e explorando diferentes pontos de mergulho.

No ano seguinte prolonguei minha estadia e passei alguns dias surfando um grande swell que chegou à Punta D’Oro – pequeno vilarejo perto da fronteira com a África do Sul, famoso por suas direitas longas em fundo de areia –, antes de seguir viagem a Tofo novamente. Em ambas ocasiões, o que mais me impressionou sobre o país foi sua biodiversidade marinha. A translucidez da água combinada com a cor e riqueza dos recifes de coral eram o ambiente perfeito para longas sessões de surfe; uma experiência quase surreal. Quanto tocava no assunto, moradores locais e outros viajantes diziam que Tofo era apenas uma “degustação”, e me instigavam a conhecer a parte norte do país, que segundo eles me deixaria de “boca aberta”.


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Ponta D"Ouro esconde mais tesouros deste país do leste africano. Foto: Kim Feldmann.


 

A região norte de Moçambique começa nos arredores de Nacala e Pemba, e segue pelo Parque Nacional Quirimbas até a remota zona da fronteira com a Tanzânia. O difícil acesso é tanto uma bênção quanto uma maldição, já que ajuda a preservar a ecologia, mas muitas vezes também restringe as comunidades locais de sistemas de saúde e educação.

 

Esse pedaço da costa de Moçambique é pontilhada por ilhas, ilhotas e barreiras de coral; um paraíso para o surfe, mergulho e pesca. Além disso, com o término da guerra civil, a redução de tensões vem permitindo que mais estudos sejam feitos acerca da biodiversidade dessa região antes subestimada, tornando-a mais conhecida entre cientistas e viajantes.

Em 2011, a descoberta de fontes de gás perto da costa de Moçambique gerou previsões para uma transformação na economia do país; bem como um impacto correspondente em muitos ecossistemas marinhos. Um ano depois – após uma década de pesquisas -, a CORDIO (Coastal Oceans Research and Development in the Indian Ocean) publicou um estudo indicando que o Canal de Moçambique é lar do segundo mais diverso recife de coral do mundo, após pesquisadores encontrarem mais de 400 espécies diferentes de coral na região, quase equivalente aos números registrados no Great Barrier Reef e Ilhas Andaman.

 


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Área de recife mapeada pelos pesquisadores Timothy R. McClanahan e Nyawire A. Muthiga no norte criou o apelido “corais de esperança". Foto: Reprodução.


No início deste ano, os pesquisadores Timothy R. McClanahan e Nyawire A. Muthiga, do Marine Programs of the Wildlife Conservation Society, publicaram outro estudo apresentando como os recifes do norte de Moçambique e das Ilhas Quirimbas exibem características ambientais que permitem a criação de um portfólio para adaptação de mudanças climáticas.

 

Ao combinar o aumento no número de comunidades de coral nas águas profundas do sul, com a estabilidade termal nas superfícies do norte (o que é importante para o aparecimento e persistência de classes mais sensíveis), existe uma ‘heterogeneidade ambiental’ que facilita a preservação de muitas espécies.

 

Mesmo com limitações nas bordas do sul (devido a fatores geológicos e oceanográficos), a região tem o potencial para se tornar seu próprio centro adaptativo, desde que os recifes sejam bem administrados e não super-explorados.

 

Tais circunstâncias trouxeram o apelido de “corais de esperança”, já que muitas espécies aparentam intactas pelas variações de temperatura nos oceanos (um catalisador para corais expelirem as algas simbióticas responsáveis por providenciar suas incríveis cores e nutrientes, resultando no branqueamento de populações de coral) registradas em outros lugares do mundo.

Recifes de coral são importantes dentro de ecossistemas globais e marinhos por providenciarem habitats, nutrientes, agirem como barreira na proteção de litorais contra tempestades, bem como fornecer fontes de renda para comunidades locais em forma de turismo e recreação.

 


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Vila de Tofo é um dos destinos turísticos mais populares do país. Foto: Cam Anderson.


 

Sua relevância é clara também na vida dos surfistas, onde moldam as melhores ondas do planeta. Porém, recifes ao redor do mundo estão sob constantes e diversas ameaças. O aquecimento na temperatura da superfície dos oceanos; a acidificação das águas; a poluição química e sedimentar; os raios ultravioletas; a invasão de espécies exóticas; a destruição de meios causada por técnicas de pesca insustentáveis, mergulhadores, âncoras, mineração e dragagem são os maiores degeneradores de recifes.

Muitos atribuem a pesca ou outros fatores antropogênicos como as principais razões por trás da degradação de ecossistemas de corais – número de espécies de peixes reduzidos significa maior quantidade de ouriços e crescimento de algas, que por sua vez danifica e sufocam corais. No entanto, o estudo de McClanahan e Muthiga mostrou que distúrbios climáticos na região norte das Ilhas Quirimbas tiveram um impacto negativo mais forte que influências humanas, já que a variedade dos grupos de coral foi relativamente alta em recifes perto de áreas urbanas.

 


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Vida marinha é intensa em Moçambique. Foto: Joel Sharpe / joelsharpe.com.


 

Mesmo assim, as quantidades de peixes medidos nas pesquisas foram insatisfatórios, e junto com a baixa eficácia na administração da pesca (dentro e fora de áreas restritas) indicam uma prática generalizada e insustentável, que irá prejudicar o potencial da região de adaptar às mudanças climáticas.

Acabei não conhecendo o norte de Moçambique, mas todas as conversas que tive sobre suas belezas despertaram uma curiosidade que se manteve através de anotações em meus diários. Ao me deparar com os estudos publicados sobre a importância ecológica da região, minha curiosidade foi justificada.

 

Tanto as análises quanto os resultados da pesquisa mostram o quão fascinante é o mundo marinho, e como a natureza se adapta a fim de manter o equilíbrio. Enquanto Moçambique não é um destino de surfe popular, nem seus recifes são um tópico comum em conversas, a descoberta de comunidades de coral tão versáteis como essas pode fazer com que os olhos do mundo se voltem para esse pedaço esquecido do litoral africano.

 


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Descoberta de comunidades de coral tão versáteis pode fazer com que os olhos do mundo se voltem para esse pedaço esquecido do litoral africano. Foto: Joel Sharpe / joelsharpe.com.


 

Com sorte, a administração das áreas vai melhorar e as espécies de coral prosperarão, continuando a fornecer cores incríveis, proteção, fonte de renda, e bancadas impecáveis àqueles em busca do tubo perfeito.

 

Para saber mais sobre o trabalho de Kim Feldmann, clique aqui ou acesse o perfil @kimmfeldmann no Instagram.

Referências:

Online Library

 

PLOS ONE





Source: Corais da esperança
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